O potencial da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira

novembro, 22 2012

O planejamento da expansão da nossa matriz energética deve estabelecer um equilíbrio entre aspectos técnicos, econômicos, sociais e ambientais.

O artigo abaixo é parte da segunda edição do relatório O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21 - Oportunidades e Desafios, cujo conteúdo completo pode ser baixado no atalho ao lado.

Entre os autores do documento, também figuram Instituto Socioambiental, Greenpeace, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, International Rivers – Brasil e Amazon Watch, bem como os pesquisadores Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Wilson Cabral de Sousa Júnior, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).



Ligia Pitta Ribeiro, Cássio Franco Moreira e Pedro Bara Neto *


No contexto mundial, o setor de produção de energia é um dos que mais contribuem para a emissão atmosférica de gases de efeito estufa (GEE) e, consequentemente, pelas mudanças climáticas. No entanto, o Brasil apresenta uma situação bastante distinta da média mundial por apresentar uma matriz energética de origem predominantemente renovável devido à participação das hidrelétricas, dos biocombustíveis e pelo grande potencial das energias renováveis alternativas, a exemplo da eólica, solar e biomassa.

No entanto, a hidreletricidade, que responde por cerca de 70% da nossa matriz elétrica, apesar de renovável, provoca grandes impactos em regiões geralmente sensíveis sob o ponto de vista ecológico e social (vide capítulos 3.1, 3.2 e 3.3 do relatório).

O Plano Decenal de Expansão de Energia 2021 prevê um aumento da capacidade de geração hidráulica de 84 GW para 117 GW em 2021, e na região Norte, principalmente na Amazônia, é onde está prevista a maior expansão hidrelétrica devido à entrada em operação de grandes empreendimentos.

O planejamento da expansão da nossa matriz energética deve estabelecer um equilíbrio entre aspectos técnicos, econômicos, sociais e ambientais. E a sustentabilidade socioambiental precisa ser fator central nos processos de tomada de decisão. É fundamental investir em medidas de eficiência e racionalização que reduzam a necessidade da instalação de novas fontes de geração e diversificar a matriz energética brasileira complementando a hidreletricidade com outras fontes de energia limpa e renovável ainda pouco exploradas diante do grande potencial existente.

O aproveitamento da biomassa da cana-de-açúcar para cogeração de energia elétrica fornece ao país uma fonte energética complementar às hidrelétricas e alternativa aos derivados de petróleo e outros combustíveis fósseis. Essa fonte tem seu maior potencial concentrado entre os meses de abril a novembro, exatamente o período quando o nível dos reservatórios das hidrelétricas diminui e são acionadas termoelétricas de alto custo econômico e ambiental que utilizam como matéria prima combustíveis fósseis, poluentes e formadores de GEE, como gás natural e carvão mineral (Embrapa, 2009).

De acordo com a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), o potencial de geração desta fonte poderia alcançar 14.000 MW médios em 2021, quase três vezes a produção da usina Belo Monte prevista para gerar 4.571 MW médios. O Brasil possui maturidade na produção sucroalcooleira, e esta concentra-se nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, próxima aos principais centros consumidores de energia. Assim, reduz-se a necessidade de expansão de novas linhas de transmissão, por meio da geração distribuída, trazendo economia para o país.

Da capacidade instalada de bioeletricidade atualmente de 7.727 MW, que representa 5,8% da matriz elétrica do país, o setor está gerando para o Setor Interligado Nacional (SIN) apenas 1.133 MW médios. Isso equivale ao atendimento anual de 5 milhões de consumidores residenciais, o que representa 2% do consumo nacional, um número ainda tímido diante de seu potencial. Das 432 usinas de processamento de cana em atividade no Brasil, 129 exportam seu excedente de bioeletricidade, sendo 70 no estado de São Paulo (Unica, 2012).

O ciclo de produção de cana-de-açúcar para produção de etanol, açúcar e bioletricidade, se bem conduzido e atento às conformidades ambientais e sociais, pode ser considerado um ciclo de produção eficiente e sustentável com emissões praticamente neutras. As discussões sobre a sustentabilidade da produção de etanol no cenário internacional têm levado à criação de uma série de mecanismos de monitoramento e de certificação em diversos países, inclusive no Brasil, que buscam garantir que as principais questões socioambientais sejam contempladas pelo setor sucroenergético.

A maioria das usinas sucroalcooleiras é autossuficiente na produção e consumo de energia. Isso porque investem necessariamente em cogeração para suprir suas próprias necessidades. A comercialização de energia elétrica para o sistema depende de investimentos adicionais em equipamentos eficientes, capazes de gerar um excedente exportável para a rede. Esta geração pode aumentar com a utilização da palha de cana-de-açúcar, do biogás proveniente do vinhoto e de tecnologias mais eficientes nos processos industriais. Mas para isso é necessário investimento na modernização dos equipamentos das usinas já existentes (retrofit) e de incentivos para que as novas sejam construídas já em condições de gerar energia elétrica excedente para o sistema (CASTRO, BRANDÃO e DANTAS, 2009).

A cogeração de energia pode ser maximizada a partir da queima da palha de cana de açúcar, que possui um poder calorífico superior ao do bagaço. A disponibilidade de palha aumenta à medida que se reduz a prática de queimada para a colheita, a qual é a maior contribuinte para o aquecimento global do setor. O Decreto Federal nº 2.661 de 1998 estabelece a eliminação gradual da queima da cana-de açúcar e alguns estados produtores estabeleceram normas específicas para tratar a eliminação da queimada. O estado de São Paulo, maior produtor de cana-de-açúcar, tem o menor prazo para a eliminação total da queima. Em junho de 2007 foi assinado o Protocolo Agroambiental, que busca antecipar a eliminação da queima para 2014 em terrenos com declividade até 12% e para 2017 em terrenos com declividade acima de 12%. A fim de propiciar a conservação e a fertilidade do solo, é importante que parte da palha permaneça na superfície do solo. Assim, avaliar a quantidade máxima de palha que pode ser utilizada nos processos de cogeração sem comprometer a sustentabilidade dos cultivos é de suma importância.

Além dos investimentos tecnológicos, o aumento da produção da bioenergia está atrelado ao aumento na produção de etanol e açúcar. A expansão dos canaviais deve seguir a legislação ambiental vigente e o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar, que visa à expansão sustentável do cultivo no território brasileiro sem avançar sobre a Amazônia e o Pantanal nem sobre qualquer cobertura nativa e em terras que produzam alimentos. As projeções oficiais para o setor indicam que as usinas de biomassa terão uma participação de 7% na matriz elétrica brasileira em 2021, mas segundo dados da Unica esse potencial poderia chegar a 15% do consumo nacional de eletricidade.

Considerada uma fonte não intermitente, complementar à hidreletricidade e próxima dos grandes centros de carga, a bioeletricidade tem vantagens que não estão sendo contempladas pelos instrumentos que norteiam os planos de expansão do setor elétrico brasileiro.

Reconhecer essas vantagens e garantir que haja políticas públicas e setoriais de longo prazo para o setor sucroenergético, estabelecendo mecanismos e incentivos fiscais e de crédito, além de metas mais ambiciosas para a promoção e aumento da participação da bioeletricidade é, portanto, de interesse para a segurança energética, economia e sustentabilidade da matriz elétrica do país.


* Analista de Conservação do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, coordenador do Programa Agricultura e Meio Ambiente do WWF-Brasil e líder da Estratégia de Infraestrutura da Iniciativa Amazônia Viva do WWF

Projeções indicam que a biomassa, como o bagaço de cana, poderá ter participação de 7% a 15% na matriz elétrica brasileira em 2021
© WWF / Jamie PITTOCK
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